Desvelando o mito do empreendedor
A qualidade que está por trás da inovação real.
Por Paulo Martinez
Sempre que me perguntam o que faço, eu digo que sou empreendedor. É a forma mais simples de resumir uma jornada que me levou de comunicação à regeneração, passando por tecnologia e inovação. Cada uma dessas palavras é um mundo em si, e seria difícil explicar tudo de uma vez.
Mas, outro dia, me peguei pensando: ❝sou mesmo é um aprendedor❞. Mais do que as minhas empreitadas, foi a curiosidade pelo novo e a abertura para aquilo que eu não conhecia que me trouxeram até aqui.
O ato de nascer, por si só, já é um grande empreendimento. Além de toda a mágica da vida que desabrocha no corpo da mulher, a criança faz um esforço sem tamanho para vir ao mundo. Dizem que, nesse sentido, o nascimento é muito parecido com a morte, pois saímos drasticamente de um estado para outro.
E, desde que nascemos, somos dependentes das relações. Uma criança recém-nascida não sobrevive sem os cuidados de alguém. O máximo que ela faz de forma autônoma é respirar e chorar (se comunicar) quando sente algum desconforto. Essa condição de codependência é visível em diversas fases do desenvolvimento infantil, especialmente na primeira infância, onde surgem as grandes descobertas.
Já parou para pensar o quanto as crianças são curiosas com a vida? Elas querem saber de tudo e perguntam "por quê?" o tempo todo. Essa curiosidade e imaginação são as qualidades mais raras nos adultos hoje em dia. E são justamente elas as mais necessárias para construir futuros e uma inovação genuína.
Eu não teria conseguido empreender por 23 anos se não fosse pela relação, troca e colaboração constantes com outras pessoas. Eu não faria (e não farei) nada sozinho. Aquela desculpa de "a bola é minha" é para quem não está disposto a jogar junto. Mas, veja, não há saída para a inovação, a criatividade, a diversidade, a prosperidade e a vida a não ser jogarmos juntos. Essa é a nossa verdade, desde o dia em que nascemos.
Ser uma pessoa aprendedora é ter consciência de que a vida e a criatividade pulsam nas relações. Ninguém faz nada sozinho, a vida sempre acontece em relação. A nossa própria existência só é possível por uma condição muito específica da natureza, que nos permite respirar, nos manter abrigados e alimentados. Sem essas relações, mesmo as não humanas, não estaríamos aqui.
Então, saibamos que, antes de qualquer playbook ou cultura empreendedora pronta e pré-fabricada, vem essa qualidade aprendedora, intrínseca ao ser humano, que estamos nos deixando perder. Seja por ignorância, estupidez ou arrogância. A lógica é muito simples: aquilo que eu não sei sempre será infinitamente maior do que aquilo que eu sei.
Coloquemo-nos em perspectiva com a vida, o planeta e o universo. O que somos? O que realmente sabemos? Será que nossos anos de mercado e experiência valem tanto assim? Especialmente agora, num contexto em que as soluções que aprendemos e praticamos por séculos estão dizimando toda forma de vida, inclusive a nossa.
Uma cultura e uma postura aprendedora vêm antes de qualquer empreitada. É uma qualidade para se resgatar e levar pela vida toda. Nós até podemos ser professores de alguém em alguns momentos, mas a verdade é que, na maioria do tempo, somos alunos.
Uma alma muito sábia me disse certa vez: ❝Quando não souber que caminho seguir, olhe no fundo dos olhos das suas crianças e você saberá a direção certa, pois no brilho do olho de uma criança é refletida a luz do sol, a luz da vida❞.
Que possamos, então, largar as nossas certezas, que nos aprisionam, e abraçar a curiosidade e as relações, mesmo as mais divergentes, para que elas nos atravessem. Porque qualquer empreendimento sem espaço para o aprendimento constante não será nada.
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Paulo Martinez é empreendedor, comunicador, tecnólogo e designer de sistemas regenerativos com 25 anos de carreira. É co-fundador e sócio do Grupo Ginga (ginga.group), co-fundador do Distrito (distrito.me), além de co-iniciador e publisher das comunidades intencionais GIRA (gira.xyz) e Innovation Roots (innovation-roots.com). Paulo também é membro do conselho e professor titular do IMGP (mestregp.com.br).