Joanna Macy e a Profecia do Guerreiro Shambhala

Liderando em tempos de crise: Deixe-se inspirar por esta milenar e atualíssima profecia.

Por Revista Bodisatva

Nota introdutória

No atual cenário sócio-cultural, marcado por rápidas transformações e múltiplos desafios globais (policrises¹), lideranças organizacionais devem se valer de inspirações e referências diversas para orientar suas estratégias de atuação. A Profecia do Guerreiro Shambhala, datada de 1.200 anos e transmitida aqui pela ecofilósofa Joanna Macy², oferece uma metáfora poderosa para líderes comprometidos com a inovação e a regeneração. Esta narrativa milenar nos convida a refletir sobre o papel das empresas como agentes de mudança positiva, apresentando as duas principais "armas" para enfrentar as crises contemporâneas.

O Innovation Roots reproduz na íntegra o artigo Joanna Macy e a profecia do Guerreiro Shambhala, com autorização da Revista Bodisatva, onde foi publicado originalmente.

Vamos ao artigo original

O pensamento da ecofilósofa e estudiosa do budismo Joanna Macy pode ser explicado de diversas maneiras. As bases teóricas da metodologia que desenvolveu junto com seus companheiros ao longo de mais de quarenta anos – o Trabalho Que Reconecta (TQR)³ – têm sua fonte na Teoria de Sistemas⁴, na Ecologia Profunda⁵ e na filosofia budista, especialmente no princípio da originação dependente⁶ e na visão de prajnaparamita⁷. Sob o ponto de vista dessa última grande influência, o TQR pode ser visto como um treinamento desenhado especialmente para despertarmos o coração do Bodisatva⁸ dentro de cada um e cada uma de nós.

No entanto, talvez nada seja tão eficaz para nos fazer nascer como Bodisatvas do que a Profecia do Guerreiro de Shambhala. Profecias trazem o poder de uma simbologia – transmitida ao longo de gerações – que acessa nossas regiões mais profundas. Suas palavras têm a capacidade de nos conectar com uma voz de sabedoria ancestral ao mesmo tempo que nos projetam para o futuro, cuja sanidade quase sempre depende de nossa própria atuação. A Profecia do Guerreiro de Shambhala é um conhecimento que atravessou os séculos graças à tradição oral. Foi transmitida a Joanna por Drugu Choegyal Rinpoche⁹, em Bir, na Índia, e ela a tem transmitido a inúmeras pessoas desde então. Da mesma forma, oralmente.

Com a aspiração de que mais de nós tivéssemos acesso e nos sentíssemos inspirados por esse texto, a Revista Bodisatva traduziu e publica aqui na íntegra a profecia, tal qual é contada por Joanna Macy neste vídeo. Nossa recomendação é que, ainda que você não fale inglês, assista ao vídeo e conecte-se com a voz de Joanna, com a energia de comando e direção que o vento de suas palavras traz. E que seja de benefício!

A profecia nas palavras de Joanna Macy…

Na tradição tibetana, há uma profecia que se tornou muito significativa para mim, meus amigos e meus colegas. Uma profecia feita doze séculos atrás.

Nos anos oitenta, eu voltei para a comunidade de Tashi Jong¹⁰, no noroeste da Índia, com a qual tenho mantido um forte vínculo há quarenta e quatro anos – desde que estive lá com o Peace Corps. Na época do meu retorno, as pessoas estavam falando sobre uma profecia que estaria se realizando agora, neste nosso tempo. Achei aquilo fantástico! Ao indagar sobre o que ela tratava, me responderam: Oh, é sobre um tempo muito sombrio.

Meu querido amigo e professor, Drugu Choegyal Rinpoche, conta-a da seguinte maneira – vou narrá-la bem como ele a contava. Ouvi-la foi como receber o comando sobre o que fazer neste tempo da Grande Virada. Ela diz o seguinte: chegará um tempo em que toda a vida na terra estará em perigo. Grandes poderes bárbaros surgirão. E, embora eles gastem toda a sua riqueza em preparações para aniquilar uns aos outros, eles têm muito em comum: armas de morte e devastação inconcebíveis e uma tecnologia que vai trazer o mundo abaixo em destruição. E será justo nesse momento, quando o futuro de todos os seres estiver pendurado pelo mais frágil dos fios, que o reino de Shambhala aparecerá.

Não se pode ir até lá: não é um lugar. Ele existe apenas nos corações e mentes dos Guerreiros de Shambhala. Na verdade, sequer é possível reconhecer um Guerreiro de Shambhala ao olhar para ela ou ele, pois eles não usam uniformes, não possuem insígnias. Não têm bandeiras; nem trincheiras as quais escalar para ameaçar os inimigos, ou atrás das quais descansar e se reagrupar. Nem possuem uma sede ou um território próprio. Para sempre e sempre, devem se mover e atravessar o terreno dos poderes bárbaros.

E Choegyal Rinpoche me disse: agora é a hora em que é demandada uma enorme coragem dos Guerreiros de Shambhala. Coragem física e coragem moral, pois eles adentrarão o coração dos poderes bárbaros para desmontar suas armas. Armas em todos os sentidos da palavra: as bombas e armamentos, e os quartéis generais do poder onde as decisões são tomadas.

Ele me falou, ❝ Joanna guarde isso: os Guerreiros de Shambhala sabem que essas armas podem ser desmontadas. Porque elas são mano maya – feitas pela mente. Elas são feitas pela mente humana, e elas podem ser desfeitas pela mente humana.❞

Os desastres que estão nos ameaçando e se desenrolando, hoje, não foram trazidos por alguma força extraterrestre ou deidade satânica, ou mesmo por um destino imutável e inexorável. Eles surgem de nossas relações, de nossas prioridades, de nossos hábitos. Eles são feitos pela mente humana, e podem ser desfeitos pela mente humana.

Então, é chegado o tempo, ele continuou, de os Guerreiros de Shambhala passarem pelo seu treinamento. Como podem imaginar, perguntei: “e como eles treinam? Ele respondeu que eles treinam no uso de duas armas (foi este o termo!). Quando indaguei que armas são essas, ele levantou as mãos – tal qual os Lamas segurando os objetos ritualísticos nas grandes Danças de Lamas deste povo – e falou que uma é a compaixão, e a outra é o insight sobre a interdependência radical de todos os fenômenos. Você precisa de ambas! Uma só não é o suficiente.

Você precisa da compaixão porque ela fornece o combustível, a força motriz para te colocar lá fora, onde você precisa estar, para fazer o que precisa ser feito. E isto consiste, basicamente, em não ter medo do sofrimento do seu mundo. Quando você não teme o sofrimento do seu mundo, nada pode detê-la. Mas a compaixão sozinha, ele disse, é muito quente e pode queimá-la viva. Assim, é necessária a outra arma. É necessária a sabedoria, o insight sobre o mútuo pertencimento de todas as coisas, entrelaçadas como são na teia da vida.

E quando você tem ambas, você sabe que esta não é uma guerra de mocinhos contra bandidos, mas que a linha entre o bem e o mal atravessa a paisagem de todo coração humano. E nós estamos tão entrelaçados na teia da vida que mesmo o menor dos atos feito com clara intenção tem repercussões – por toda essa teia – que nós nem conseguimos ver.

Mas isso por si só, ele disse, é um pouco frio. Então, você precisa do calor da compaixão. E se você observar os monges tibetanos recitando nos pujas, verá suas mãos movimentando-se em mudras. Muito frequentemente, elas estão dançando a interação entre karuna e prajna, compaixão e sabedoria.

Bem, essa é a profecia. E eu soube que era isso! Que eu tinha recebido o comando sobre o que fazer!

Naquela tarde, quando voltei para casa e encontrei meu filho Jack, que vivia comigo e com o resto da família nos arredores do assentamento, compartilhei com entusiasmo: “Você não vai acreditar na profecia que acabei de escutar de Choegyal Rinpoche!”. Narrei-a e, ao fim, ele me perguntou: “E ele contou o desfecho? Contou como vai terminar?” Eu ri e respondi: “Não! Graças a deus! Eu não acreditaria se ele tivesse me dito como terminará! Nem você deve acreditar em ninguém que lhe diga como vai acabar! É o não saber o nosso maior presente! É essa mente que não sabe que nos permite ser grandes e possibilita que grandes coisas aconteçam!”

Comentários adicionais do Innovation Roots

Ao incorporarmos os ensinamentos da Profecia do Guerreiro Shambhala no contexto organizacional, reconhecemos a importância de uma liderança verdadeiramente consciente, que alia sabedoria e compaixão na transição para negócios regenerativos. As empresas têm a oportunidade de se posicionar como forças transformadoras, adotando práticas que promovam não apenas o lucro, mas também o bem-estar social e ambiental, garantindo perenidade econômica e prosperidade da vida.

Que esta profecia sirva como um chamado às lideranças de distintos setores e hierarquias, para que se tornem os Guerreiros de Shambhala de nosso tempo.


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A Revista Bodisatva é uma plataforma de comunicação dedicada à divulgação de conteúdos que promovem a transformação do mundo, inspirada na visão budista de Terra Pura. Fundada em 1990, destaca-se por sua abordagem não sectária, integrando ensinamentos de diversas linhagens budistas e dialogando com áreas como ciência, educação, arte e ecologia.

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Expediente Revista Bodisatva:

  • Edição e Revisão: Caroline Souza e Ormando M.N.

  • Transcrição e Tradução: Gabriel Madeira;

Referências citadas:

  1. Policrises (Adam Tooze): Ver capítulo correspondente no artigo “ESG é Hype?!” do Innovation Roots;

  2. Joanna Macy: Ph.D, autora e professora, é uma estudiosa de budismo, pensamento sistêmico e ecologia profunda. Uma voz respeitada em movimentos por paz, justiça e ecologia, co-fundadora do movimento Trabalho que Reconecta (TQR);

  3. Trabalho que Reconecta (TQR): metodologia destinada a qualquer um que anseia por servir à cura do nosso mundo de uma forma mais poderosa e eficaz. Este processo de grupo interativo foi desenvolvido por Joanna Macy, em cooperação com muitos colegas, ao longo de várias décadas. Desde seu início no final da década de 1970, ele ajudou milhares de pessoas ao redor do mundo a encontrar solidariedade e coragem para agir, apesar das condições sociais e ecológicas que pioravam rapidamente.;

  4. Teoria de Sistemas (Wikipedia);

  5. Ecologia Profunda (Wikipedia);

  6. Princípio da Originação Dependente (Budismo): Ver capítulo correspondente no artigo “Um Caminho Simples” da Revista Bodisatva;

  7. Prajnaparamita (Budismo): Wikipedia;

  8. Bodisatva (Budismo): Ver artigo “Os quatro métodos de orientação de Bodisatvas” da Revista Bodisatva;

  9. Drugu Choegyal Rinpoche;

  10. Comunidade de Tashi Jong;

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